"As colectividade de Gaia têm grande dinamismo. Há concelhos no país com muitas colectividades e actividades de relevo, mas o concelho de Gaia não fica a dever nada a ninguém. Tem instituições muito fortes, com muita qualidade."

Entrevista a Paulo Rodrigues, presidente da Federação das Colectividades da Vila Nova de Gaia

Por Lúcio Figueira

O sector da Cultura, em particular o afecto às colectividades de âmbito local, parece estar no fundo da gaveta das prioridades do Estado quando se trata de atribuir apoios à sua existência. O lamento surge de Paulo Rodrigues, presidente da Federação das Colectividades de Vila Nova de Gaia (FCVNG), em entrevista ao Vozes de Gaia. O dirigente revela que as actividades regulares da entidade que dirige são suportadas por doações de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (CMVNG), que em 2020 atribuiu 50 mil euros, distribuídos depois por 35 entidades.

Qual a origem da FCVNG?
A Associação das Colectividades de Vila Nova de Gaia foi fundada a 30 de Novembro de 1998, com o objectivo de aglutinar todo o movimento associativo popular em Gaia, promover e divulgar as actividades das nossas associadas e também a cultura, o desporto e o recreio. Em 2016, foi alterada a designação para FCVNG e mudámos de instalações. A sede actual foi cedida pelo município.

De onde provém o financiamento da colectividade?
A fonte de receitas da Federação é a quotização dos nossos sócios, cujo valor anual é de 90 euros.

Quais os apoios da Câmara?
Temos apoios financeiros e não financeiros, como a cedência do Auditório Municipal para a realização do “Festeatro”, de homenagem associativa; para o “Vivências de Gaia”, mais dedicada ao folclore, a Junta da Freguesia de Pedroso cedeu-nos um palco para as várias actuações e também nos ajudou financeiramente… Em Dezembro do ano passado, a autarquia apoiou com um subsídio no valor de 50 mil euros, através de um protocolo com a Federação, que depois, mediante critérios bem definidos, atribuiu essa verba a 35 colectividades.

“Em Dezembro do ano passado, a autarquia apoiou com um subsídio de 50 mil euros, através de um protocolo com a Federação.”

O Fisco e a Segurança Social ajudam as colectividades?
Não, só as IPSS.

Há outros meios para obter apoios, especialmente nesta época difícil?
A FCVNG é uma estrutura descentralizada da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto. Através da Confederação, e durante este último ano, devido à pandemia, houve várias iniciativas para obter apoio para as colectividades. O certo é que, no Orçamento do Estado, as colectividades de cultura, recreio e desporto não foram contempladas. Há uma série de propostas e iniciativas que não são aprovadas na Assembleia da República. Haverá outras prioridades, particularmente nas áreas da saúde e da educação, mas a cultura continua a ser esquecida e as colectividades de cultura, recreio e desporto acabam por ser o parente pobre e não temos apoios.

Que tipo de serviços é que a Federação presta aos associados?
Temos um gabinete de apoio contabilístico e fiscal, com a colaboração de um técnico, que faz parte dos órgãos sociais e colabora benevolamente com a FCVNG. Temos também um escritório de advogados que colabora connosco. Através da Confederação, e com um protocolo com o Município, tratamos das taxas junto da Sociedade Portuguesa de Autores, que permite às nossas associadas terem um desconto de 50 por cento nos valores das avenças da televisão e televisão por cabo…

Como no teatro…
Os autores cedem os direitos de autor ou as colectividades têm de pagar, embora através da federação e dos protocolos existentes haja um desconto de 25 por cento.

Têm outras iniciativas próprias?
Além do “Festeatro” e da “Vivências de Gaia” – no ano passado não fizemos –, comemorámos o Dia Nacional das Colectividades, a 31 de Maio. Organizámos um concerto de coros com a participação do Orfeão da Madalena, do Orfeão de Valadares e do Coral de Gulpilhares para assinalar o Dia Nacional das Colectividades. A Junta de Freguesia de Oliveira do Douro cedeu-nos o auditório.

Que planos têm?
Há um plano de actividades que foi apresentado pela actual direcção, em Janeiro de 2019, que contempla várias iniciativas, desde projectos de capacitação dos dirigentes associativos, colóquios, acções de formação, além de mantermos todas as iniciativas de que já falei.

E as marchas populares?
As marchas de S. João são organizadas pelo município. Quem participa nas marchas populares são as colectividades de cultura, recreio e desporto de cada uma das freguesias. As juntas convidam uma determinada associação para representar a localidade. No caso de Vilar do Paraíso, varia entre o Grupo Dramático de Vilar do Paraíso, a Associação Recreativa Entreparentes ou a Associação Cultural e Recreativa “Os Amigos Vilarenses”.

“A Federação tem cerca de 150 associados. devido às grandes dificuldades que as coletividades atravessam, temos muitos com as quotas em atraso.”

Quantos associados tem a FCVNG?
A Federação tem cerca de 150 associados. Infelizmente, devido às grandes dificuldades que as coletividades atravessam nesta altura, temos muitos associados com as quotas em atraso. Eu diria que, com quotas pagas, será sensivelmente metade. Compreendo que as necessidades são muitas, embora o valor anual não seja exorbitante. Há uma dificuldade acrescida: não temos cobrador e as pessoas têm de se dirigir à Federação e, muitas vezes, acumulam um, dois ou três anos de quotizações.

Que percentagem representam as 150 colectividades inscritas na FCVNG?
Sensivelmente 50 por cento, em cerca de 300 no concelho, fora os clubes desportivos.

Os clubes desportivos fazem parte dos objectivos da Federação?
Sim, e temos três que são nossos associados: o Futebol Club de Gaia e o Águias de Gaia, que são exclusivamente desportivos; o Gervide tem outras actividades – todos representam a freguesia nas marchas de S. João. Estamos receptivos a que os clubes desportivos também se tornem nossos associados.

Há alguma forma de segmentar as colectividades por áreas de intervenção: as que têm teatro, as que têm folclore, as que tem música, desporto…
Temos várias colectividades cuja actividade principal é o teatro, desde “Os Plebeus Avintenses” –das mais representativas na área do teatro –, o Grupo Dramático de Vilar do Paraíso, a Tuna Musical de Santa Marinha, o Sport Club Candalense, a Associação recreativa de Canelas, mais vocacionadas para a área do teatro. O Sport Club Candalense tem actividades para os jovens na área da dança, etc.

“Somos o concelho do país com maior número de grupos folclóricos, o que é muito significativo.”

É possível verificar o peso das colectividades nas áreas da cultura, recreio e desporto?
Das que são nossas associadas, exclusivamente de desporto há muito poucas. A maior fatia são aquelas que se dedicam à cultura, englobando na cultura o teatro, a dança, a música.

E o folclore?
O folclore é uma área muito específica. Temos 32 grupos folclóricos, embora não estejam todos federados. Contudo, no concelho de Gaia existe a sede nacional da Federação do Folclore Português, em Arcozelo, onde 18 grupos de folclore estão federados. Somos o concelho do país com maior número de grupos folclóricos, o que é muito significativo.

E puramente recreativos?
Há muitas colectividades e o Dramático [de Vilar do Paraíso] é um exemplo. Além do teatro tem outras actividades, como a dança, outras que dedicam ao ténis de mesa, há outras com fanfarra, voleibol feminino. Para complementar isso tudo, têm uma área mais recreativa, uma sala de jogos, uma sala de convívio, torneios de bilhar, cartas, um bar… Quase todas as colectividades têm esses espaços, embora não sejam as actividades principais.

Qual é o dinamismo do associativismo em Gaia face ao panorama nacional?
As colectividade de Gaia têm um grande dinamismo. Há concelhos no país com muitas colectividades e desenvolvem actividades de relevo, mas o concelho de Gaia não fica a dever nada a ninguém. Tem instituições muito fortes, com muita qualidade.

Haverá algumas cujo dinamismo sobressaia?
Há quatro bandas filarmónicas que costumam estar presentes num encontro anual: a Banda de Avintes, a Banda 1.º de Agosto de Coimbrões, a Banda de Crestuma e a Banda de Lever. Temos escolas de música que, além do número de alunos, têm enorme qualidade, como a Escola de Música de Perosinho, integrada no Grupo Musical da Mocidade Perosinhense, ou a Escola de Música de Vilar do Paraíso.

“há 33.000 colectividades de cultura, recreio e desporto e todas têm uma particularidade: os órgãos sociais são dirigentes associativos voluntários, não remunerados e eleitos.”

Qual a importância das colectividades nas comunidades locais? As comunidades locais frequentam-nas, apoiam-nas?
Muito, principalmente nas freguesias mais afastadas do centro de Gaia. As comunidades envolvem-se muito nas suas associações. Exemplo típico do envolvimento das colectividades são as marchas de S. João, porque os apoios concedidos não são significativos, o que implica muito sacrifício, muita dedicação, muitas horas de trabalho voluntário para fazer uma festa que é de toda a gente. Aliás, as associações surgem dessa necessidade para o bem comum: uma associação de beneficência, uma associação de cultura, de teatro, de recreio. As associações acabam por nascer espontaneamente. Ou nasceram há muito tempo, pois muitas são centenárias, outras comemoram este ano o centenário, como o Grupo Dramático de Vilar do Paraíso. O Sporting Club Candalense comemorou 100 anos em 2020, o Centro Recreativo de Mafamude já tem 109 anos… Nos grandes centros urbanos já não há tanto aquele sentido de associativismo, pois as pessoas têm outros interesses, dispersam-se mais, têm outros apelos.

As IPSS podem ser contempladas no âmbito do associativismo?
As IPSS são associações da área social. Este é designado o Terceiro Sector da economia social, que engloba as associações mutualistas, humanitárias, as misericórdias, as IPSS, as cooperativas, todas as colectividades de cultura, recreio e desporto. Também têm surgido associações de cariz ambiental, protecção dos animais, da natureza, entre outras. Tudo isto é economia social. Contudo, a maior fatia é composta pelas colectividades de cultura, recreio e desporto. A nível nacional, há 33.000 colectividades de cultura, recreio e desporto e todas têm uma particularidade em relação às outras: os órgãos sociais são dirigentes associativos voluntários, não remunerados e eleitos.


BILHETE DE IDENTIDADE

Quem é o homem por detrás da Federação? Quem é Paulo Rodrigues?
Sou dirigente associativo voluntário não remunerado e continuo a desenvolver a minha actividade profissional na ANACOM, Autoridade Nacional das Comunicações, onde trabalho há 30 anos. Tornei-me associado aos 17 anos, embora naquele tempo só o pudesse fazer aos 18, mas abriram uma excepção, e sempre ligado ao Centro Recreativo de Mafamude. Entre 2003 e 2013, fui presidente da direcção dessa colectividade e, em 2018, através do então presidente César Oliveira, hoje presidente da Mesa da Assembleia Geral, lançaram-me o desfio de assumir a presidência da Federação das Colectividades de Vila Nova de Gaia. A actual direcção foi eleita em Dezembro de 2018 e tomamos posse no dia 3 de Janeiro de 2019.