Por Suzana de Castro

Fazendo o percurso pela beira-mar vindo da praia, vemos o Cabedelo do alto do muro. Em dias de mar agitado, as ondas enormes batem contra as rochas e vai ficando aquela espuma, como se fosse a cauda de um vestido de noiva rendado em dia de casamento. Ali se encontram o mar e o rio, um casamento, um compromisso, o de correrem juntos, o de se misturarem… assim, unem-se em grande intimidade, para deleite de quem passa… a Natureza é mágica.

Mais adiante, cruzamo-nos com o Reservatório Natural das Aves. Será que essas aves vêm para assistir a este “enlace” do rio com o mar, para cantar, como um coro, para serem testemunhas desta união?

Chegamos à Afurada, um cenário encantador, e logo vemos o tanque público, um ex-libris, pois já não existirão muitos. E menos com a actividade que este tem. As senhoras da Afurada vão ali lavar as suas roupas, num ritual diário, porque se encontram com as amigas para conversar, contar as suas alegrias e tristezas, falar das angústias e receios das viagens dos maridos, quando estes saem para a pesca lá no mar alto.

Mas muita alegria, também. Por vezes, há música: cantam e dançam. A roupa, sempre bem lavada em água límpida, vai depois para as cordas secar ao vento e ao sol, se o houver… Ver assim a roupa a esvoaçar é como ver as mãos das senhoras e das crianças da Afurada, a acenar num adeus aos barcos que partem como a dizer: “Volta depressa para casa”.

Contam as senhoras mais idosas que, quando os maridos partiam para a pesca nos seus barcos, elas vestiam-se de preto e só retiravam esta cor quando eles regressavam sãos e salvos. E se não voltavam, nunca tiravam o preto e o lenço à cabeça. Quando chegam os barcos é uma correria…

Come-se peixe fresco, todo o ano, grelhado no carvão, repetindo e conservando a tradição.

Há um barquinho, o “Flor do Gaz” (agora um táxi fluvial), que atravessa o rio, da Afurada para Lordelo do Ouro… é maravilhoso

Uma viagem curta, com uma vista deslumbrante. Ficamos entre duas belas cidades, Porto e Vila Nova de Gaia. Numa das viagens disse ao senhor João, a quem pagávamos o bilhete: “Gosto tanto de atravessar no barquinho e com este Sol a acariciar-nos o rosto!” O senhor João, que tinha o rosto e as mãos com muitas rugas de tanto estar ao sol sorriu, engelhando ainda mais a cara, respondeu-me, íamos mesmo no meio do rio: “Aqui é o melhor lugar do mundo, minha menina!” No meio do rio sentimos o pulsar do coração do rio Douro.

A Afurada dos pescadores, dos barquinhos e das lavadeiras, dos fogareiros a fumegar, com o peixe fresco a assar, os barcos, as artes da pesca, os pescadores e os seus barquinhos, o frenesim das gentes dali que sempre por lá circulam, é um lugar imperdível para fazer este passeio, porque é um lugar com tradições a preservar.