Gaiense Manuel Correia garante ter “a maior colecção do mundo” e luta para a criação de um museu que acolha os 3 500 exemplares que guarda em casa.

Mário Jorge Santos

É uma rua estreita. Daquelas que poderíamos encontrar no centro histórico de uma qualquer cidade do mundo. Para lá chegar é necessário subir até ao topo da encosta próxima ao Jardim do Morro, na fronteira com o tabuleiro superior da Ponte Luiz I. Depois de vencer a calçada íngreme e as escadarias que acompanham as soleiras das portas, chega-se finalmente à porta da casa de Manuel Correia. O “Manuel das Balanças”, como é conhecido por amigos e vizinhos. E depressa se percebe o porquê desta alcunha: dentro daquelas quatro paredes estão contabilizadas, uma a uma, 3 500 balanças. “É a maior colecção do mundo”, diz-nos, ao mesmo tempo que vai abrindo a porta da casa.

Se bem que não haja confirmação oficial acerca do título de “maior colecção do mundo”, a quantidade de balanças e os “quilogramas” de história ali contidos impressionam. Depois de subir as escadas estreitas, fomos conduzidos por um pequeno labirinto de divisões, sempre de sentidos alerta para não esbarrar numa pilha de pratos antigos, de travessas, copos e outros artefactos que adornam todas as divisões da casa.

Ao fundo desta pequena escadaria, Manuel Correia guarda a balança de pesar aviões. Foto: Rui Oliveira/PÚBLICO

“Aqui, está uma colecção de isqueiros que comecei a fazer há muitos anos”, explica este colecionador nascido e criado em Vila Nova de Gaia, apontando para um armário de vidros grandes com vista para a varanda das traseiras. Ronson, Cartier e Pierre Cardin… os clássicos estão todos lá. Alguns, aparentemente normais, outros em ouro. Todos eles com formatos diferentes: pistolas, guerreiros medievais, carros, canetas ao estilo James Bond… São várias centenas de isqueiros, que vai preservando por força da teimosia de não se desfazer das suas colecções.

“Mas não era aquilo que queria…”, desabafa Manuel Correia. “O que hei-de colecionar?”, pergunta em voz alta, numa espécie de viagem no tempo. A sua profissão de picheleiro encontrou a resposta para esta pergunta. Um dia, ao ser chamado para mudar uma torneira misturadora numa casa na Foz (Porto), reparou que a cozinha estava repleta de balanças. Abriu a boca de espanto. Só por vergonha não perguntou ao cliente qual o preço daquele espólio. Logo de seguida, num outro cliente, encontrou uma balança fora do comum. Então, perguntou: “Por quanto pode vender-me esta balança?”. Resposta pronta e desarmante: “Não a vendo, ofereço-lhe a balança se me arranjar uma outra”.

Manuel Correia tem o sonho de um dia poder oferecer a sua colecção de balanças ao muncípio de Vila Nova de Gaia e ver construído um museu. Foto: Rui OLiveira/PÚBLICO

Manuel Correia nem hesitou: assim que chegou a casa, abriu o enxoval da filha, retirou de lá uma balança e deu assim início à sua colecção favorita. “As balanças são o meu amor platónico”, diz. Um amor espiritual que o levou a reunir balanças da mais variada espécie. Já imaginou pesar um ovo e a própria balança dizer qual a sua classificação em volume? Uma balança que pesa a lã para fazer uma ou 10 000 camisolas? Ou uma balança para pesar… aviões?

Todas as balanças têm uma história e a desta é notável. Manuel Correia soube que a Base Aérea de S. Jacinto tinha uma balança de pesar aviões para vender. Então, apesar de se encontrar de luto pela morte do seu filho, meteu pés ao caminho e foi à Base Aérea para falar com o comandante. O preço estava acordado entre os dois, por isso, o processo ficou facilitado. Mais simples ficou ainda quando o dito comandante se prontificou a entregar a balança ao domicílio. “Chegou aqui num jipe da Força Aérea”, diz com orgulho. E como é a balança de pesar aviões? Um gancho gigante, juntamente com uns aros em ferro e outros objectos auxiliares… mas tudo em tamanho gigante, impossível de ver em acção numa casa com um pé direito com pouco mais de dois metros e meio de altura.

O universo das balanças tem preenchido a vida de Manuel Correia desde os anos 1970. Foto: Rui Oliveira/PÚBLICO

A balança da Guerra do Vietname e o museu

Se esta pesa aviões, uma outra pesa miligramas e é de tal modo sensível que, se trovejar, não funciona. A delicadeza do mecanismo de precisão da balança não suporta condições climatéricas adversas, nem outros distúrbios climatéricos do género.

Numa autêntica viagem ao passado, as várias salas da casa de Manuel Correia estão “forradas” com máquinas que parecem trazidas da Antiguidade. Máquinas ferrugentas, a atestar os muitos anos que já atravessaram. Outras, mais recentes, levam-nos de volta a meados do século passado. Como é o caso de uma caixa verde-tropa, que é nada mais, nada menos do que uma balança do Exército dos Estados Unidos da América, utilizada na Guerra do Vietname. Até a guerra tem o seu peso e a sua medida…

Algumas das peças da colecção de Manuel Correia necessitam de ser reabilitadas, mas continuam quase todas funcionais. Foto: Rui Oliveira/PÚBLICO

Mas nem tudo é cor-de-rosa neste longo percurso de Manuel Correia, iniciado em 1970. As portas estreitas da casa são uma espécie de figura de estilo da vida deste coleccionador. O amor de Manuel Correia pelas balanças é sofrido, por estarem ali condensadas e não devidamente catalogadas num museu. E é neste ponto que surge o primeiro desconforto. É que Manuel Correia tem o sonho de ver erguido, antes de morrer, o seu museu das balanças – com o nome do filho, que morreu de tenra idade. Seria a homenagem ao filho e ao pai, que tanto tem lutado para fazer crescer e manter esta colecção…

Manuel Correia está disponível para ceder o seu imenso espólio para usufruto público, colocando como única condição que esse espaço tenha o nome do seu filho. “É uma pena que estas peças estejam aqui, neste sítio, sem grandes condições para serem preservadas”, lamenta, garantindo ter feito inúmeras tentativas para criar um Museu das Balanças em Vila Nova de Gaia. Mas, até agora, sem grande resposta por parte dos sucessivos executivos camarários.

Até lá, vai continuar a desenvolver os vários projectos ligados à sua paixão pelo coleccionismo e por Vila Nova de Gaia: desde a catalogação do espólio de balanças, até aos escritos sobre o concelho que o viu nascer. Este é o mundo das balanças de Manuel Correia. O mundo do homem que dá o ser àquelas balanças, as conhece pelo nome e pela função. O homem que trata as balanças por “tu”.