A Conferência Vicentina de Santo Ovídio ajuda mais de 300 pessoas por mês em Vila Nova de Gaia. José Carlos Baptista, o “Sr. Baptista”, vive a realidade dos mais necessitados há uma dúzia de anos. Os alimentos, as roupas e os brinquedos que ali chegam vêm dos muitos mecenas da Conferência. Sempre com a ajuda do Espírito Santo…

Maria Helena Maia

Certo dia, foi parar às mãos de José Carlos Baptista, o “Sr. Baptista” para toda a gente, um carrinho de brincar, entregue por um menino. Um outro menino escolheu, naquele mesmo instante, aquele brinquedo para levar para casa. Portador de deficiência cognitiva, assim que percebeu quem tinha levado o carrinho, pousou-o no chão e abraçaram-se. Será um episódio singelo, mas mais do que suficiente para manter a fé do Sr. Baptista nos serviços feitos à comunidade pela Conferência Vicentina de Santo Ovídio, com sede na Igreja Paroquial. “Momentos assim, bastam para continuar a abraçar esta missão de solidariedade social.”

Devoto do Espírito Santo, o Sr. Baptista não acredita em coincidências. E dá o exemplo do leite. Na primeira segunda-feira de cada mês, as famílias tinham disponível um cabaz de alimentação, e na terça podiam regressar para escolherem roupa e brinquedos. “E pediam sempre leite. No armazém, meia dúzia de pacotes. Decidi que nunca mais iria faltar leite… O que não sabia era como o arranjar. Quando ia para casa, recebi um telefonema do dono de uma confeitaria de Santo Ovídio. Essa pessoa garantiu que, a partir dessa data, iria oferecer à Conferência o tão necessário leite. A partir daí nunca mais faltou. Incrível como, sem qualquer pedido, chegou. Foi, decerto, obra do Espírito Santo. E muitas, muitas pessoas ajudam sem ninguém pedir.”

Fundada a 20 de Fevereiro de 1965, a Conferência Vicentina de Santo Ovídio (da Conferência de São Vicente de Paulo), tem uma equipa pequena: oito voluntários, além de quatro “que dão sempre apoio; mas, quando é necessário, aparecem mais”.

O mecenato é um dos grandes suportes desta obra social, através de doações mensais e anuais. E com surpresas. “Um senhor quis doar-nos 3 000 euros. Quando nos encontrámos, perguntei a razão da doação, não sendo essa pessoa da paróquia. A resposta foi a de que conhecia a obra da Conferência de São Vicente de Paulo, foi ao Google e apareceu-lhe a de Santo Ovídio.” A ajuda monetária foi aumentada para 4 000 euros.

Os alimentos não estão garantidos

O Sr. Baptista mantém o armazém dos alimentos na mais perfeita ordem: tudo catalogado por género, data de validade, prioridade. É um trabalho duro: “Não temos o banco alimentar. Somos nós quem promove a partilha. Não estão garantidos os alimentos e temos de os encontrar para poder entregá-los”.

Além de alimentos, roupas e brinquedos, há “a ajuda do porta-moedas, para quem tem um valor mensal per capita inferior a 100 euros”, explica o Sr. Baptista. Na primeira segunda-feira de cada mês, são entregues 10 euros por pessoa; se o agregado tiver três ou quatro elementos são 15; o valor máximo por pessoa é de 20 euros.

Se o caso é limite, é entregue de imediato um pequeno cabaz básico. Depois, é pedida a documentação necessária à burocracia de inserção da família no sistema de auxílio. As famílias são auxiliadas se tiverem um rendimento per capita mensal inferior a 200 euros…

Na maior parte dos casos são famílias monoparentais, quase todas no feminino. Muitas destas mulheres sofrem situações graves de violência doméstica. A par do auxílio alimentar e de roupas, a Conferência também presta auxílio de saúde. Mensalmente, a Conferência gasta cerca de 500 euros por mês em ajudas, no apoio a cerca de 100 pessoas.

Apesar de ser uma obra de cariz social, a Conferência Vicentina de Santo Ovídio mantém uma relação distante com grande parte das entidades locais. No caso da Câmara de Gaia, por exemplo, José Carlos Baptista lamenta a inexistência de qualquer protocolo de cooperação com a autarquia. Isto, apesar das várias audiências pedidas a este e a anteriores executivos.

Um casamento e um final feliz

Após 12 anos a lidar com situações de necessidade extrema, famílias desestruturadas, crianças em risco, o Sr. Baptista continua a acreditar na bondade humana. “Uma família morava numa ‘ilha’, onde havia mais pessoas carenciadas”, conta. Numa das visitas (sempre de surpresa e à hora de jantar), perguntou à senhora da casa se não queria casar, já que o casal vivia em união de facto. “Se quero!”

Após falar com os voluntários, tudo se arranjou: um, cedeu o espaço para a boda; foram-lhes oferecidos o vestido e o fato de casamento, a ida ao cabeleireiro, um álbum de fotografias, banquete de noivado, alianças e os convidados que quiseram… O padrinho, claro, foi o sr. Baptista. “Os noivos não gastaram nada. Tudo foi oferecido. Entretanto, o noivo arranjou emprego como padeiro. A noiva também arranjou emprego e o menino foi para a escola.”

DADOS E HISTÓRIA

107 famílias inscritas no cabaz solidário
319 pessoas, entre as quais:
43 crianças até aos 14 anos
43 crianças até aos 14 anos
59 crianças e jovens
13 famílias mono parentais
39 pessoas com mais de 60 anos a viver sozinhas

Paulo Baptista, Conferência Vicentina de Santo Ovídio. Foto: DR

A Sociedade de São Vicente de Paulo foi fundada a 23 de Abril de 1833 por um grupo de jovens universitários, liderado por Antoine Fréderic Ozanan, estudante de Direito na Sorbonne, então com 20 anos. Designada no primeiro ano como Sociedade da Caridade, nasceu para dar apoio aos mais carenciados. Tem São Vicente de Paulo (1580-1660) o “Pai” da caridade activa. Actualmente, o número de vicentinos em Portugal ultrapassará os 13 mil (voluntários).

A Conferência Vicentina de Santo Ovídio é uma das 304 da diocese do Porto, pertencendo à Sociedade de São Vicente de Paulo, presente em todo o mundo. No caso da diocese portuense tem cerca de 1 450 voluntários, apoiando 4 839 famílias e 23 155 pessoas. Está sediada na Igreja Paroquial de Santo Ovídio e tem uma estrutura paralela. Está presente nos locais mais carenciados, como bairros sociais, cadeias, escolas…

*Publicado originalmente no suplemento Vozes de Gaia, publicado com o jornal PÚBLICO, a 13 de Dezembro de 2021.