O Vozes de Gaia meteu pés ao caminho e foi saber alguns dos segredos dos Caminhos de Santiago que passam pelo concelho de Vila Nova de Gaia. Uma empreitada a cinco, que começou nos limites da freguesia de Grijó e acabou junto à Ponte Luiz I, mesmo junto ao rio Douro.

Por Caria de Oliveira, Francisco Silva, Leonor Medina, Manuel Herculano (texto) e Orlando Fernandes (fotos)

Eram queijadinhas senhor, com sabor a ananás e feitas com carinho, para os participantes do Vozes de Gaia, na caminhada dos Caminhos de Santiago por terras de Vila Nova de Gaia. Ficou na memória o almoço simples, que serviu para recuperar forças pelo meio dos 18 quilómetros de Grijó até à Ponte Luiz I, na margem esquerda do Douro. Mas, mais do que isso, permanece a experiência de pisar as mesmas pegadas de milhares e milhares de peregrinos, que anualmente rumam a Santiago de Compostela.

O grupo de caminheiros fez-se à estrada e percorreu seis freguesias do concelho, por onde passa o caminho central português de Santiago, segundo “Caminho” mais percorrido dos caminhos que nos levam a Santiago de Compostela.

Trajados a rigor, com mochila, a concha ou vieira, símbolo dos peregrinos, e a respectiva credencial ou passaporte em que seriam colocados os carimbos comprovativos do percurso feito, os caminhantes assim se fizeram ao caminho.

O Albergue de Grijó está encerrado aos peregrinos devido à pandemia

Entre mosteiros e outros monumentos, passando pelo Albergue de S. Salvador de Grijó, houve a oportunidade de ter o contacto com a Natureza, com o património cultural, artístico, arquitectónico.

A meio da manhã, S. Pedro saudou os “peregrinos” com umas gotas tímidas. Mas isso não os demoveu, depois de terem já passado a capela de Santa Rita, local de muita devoção e de promessas feitas e pagas, e o Cristo crucificado de tamanho real, que encontraram nas alminhas do Senhor do Padrão.

Próxima paragem: Albergue de Grijó. Estava na altura de colocar o primeiro carimbo na credencial que os peregrinos dos Caminhos de Santiago têm direito a receber, seja de uma entidade oficial, seja de um simples café pelo caminho. Etapa cumprida, não demorou muito para acontecer o segundo carimbo, mais à frente, no Mosteiro de São Salvador de Grijó.

Porém, não era apenas o carimbo que carregava as baterias dos caminhantes. A perspectiva de poder ver de perto o túmulo Monumento Nacional de D. Rodrigo Sanches, neto de D. Afonso Henriques, tinha sido motivo de conversa praticamente desde que os pormenores desta andança ficaram acertados.

Aqui chegados, já o padre António Coelho aguardava pelo início da visita guiada a um dos mais belos monumentos do concelho de Vila Nova de Gaia (ver caixa). O vigário-geral da Diocese do Porto presenteou o grupo com uma visita guiada por alguns dos recantos do edifício, deixando no ar a promessa de mais descobertas numa próxima visita, esta mais demorada.


De Grijó ao rio Douro se fez a peregrinação pelos Caminhos de Santiago em Gaia em reportagem áudio. Os monumentos, os carimbos e as explicações.

O tempo corria e o trajecto era longo. O guia, preocupado, soltava desabafando um “vamos lá, estamos atrasados”… Mas chegaram todos a tempo de receberam o terceiro carimbo na credencial, esta uma cortesia dos Correios de Grijó.

Os peregrinos do Vozes de Gaia em plena serra de Negrelos, a caminho da malha urbana

Hora de repasto. Um merecido almoço em formato piquenique, junto à Capela de Santa Marinha, em Perosinho. Toalha posta, “multa” em cima de um banco de jardim transformado em mesa de banquete, o momento foi de partilhar o que cada um levou na mochila. Suplemento energético para a alma? Queijadinhas com sabor a ananás, feitas com carinho.

Deixada a serra de Negrelos para trás, e passado o Memorial da Escola de Pinheiro-Mejide, em Canelas, o grupo entrou na malha urbana, por Santo Ovídeo-Vila Nova de Gaia. Nesse momento, a “sugestão do dia” foi uma paragem, no local da feirinha na rua de Soares dos Reis, antes da recta final.

Pés ao caminho, já os ponteiros do relógio registavam 16h45 quando o grupo chegou ao Posto de Turismo do Cais de Gaia para o último carimbo. Fim do caminho! E logo os caminheiros decidiram, junto à Ponte Luiz I, terminar a aventura. Foi-se a restante merenda do almoço, acompanhada com um brinde de um Porto de Honra. Ou as caves do vinho do Porto não estivessem ali mesmo ao lado. Os caminheiros do Vozes de Gaia pretendem dar a conhecer as suas vivências e contribuir, através da sua cidadania activa, para a construção de um futuro melhor.


Andar de mosteiro às costas

O Mosteiro de São Salvador de Grijó foi fundado em 922, no lugar de Muraceses pelos clérigos Guterre e Ausindo Soares – em 938, adoptaram a regra e o hábito de Santo Agostinho. Em 1112, foi transferido para o actual sítio. A nova igreja só seria tornada sagrada, em 1235, pelo bispo do Porto, D. Pedro Salvador. No início do século XVI, o convento estava em ruínas e, em 1535, D. João III autorizou a transferência do mosteiro para a Serra de São Nicolau. Mas nem todos os clérigos concordaram com a transferência: em 1566 o Papa Pio V separou os dois mosteiros.

O regresso dos monges a Grijó marcou a reforma do mosteiro. Em 1572 foi contratado o arquitecto espanhol Francisco Velasquez para desenhar o novo projecto. A 28 de Junho de 1574, foi lançada a primeira pedra do dormitório, mas as obras arrastaram-se até 1629, altura em que a capela-mor foi concluída. Em 1770 o convento foi extinto e os seus bens foram para o Convento de Mafra.

Albergue de Grijó à espera de obras

Ponto de paragem, local de acolhimento para quem vai a caminho de Santiago de Compostela ou Fátima e passa por Vila Nova de Gaia. O Albergue de S. Salvador de Grijó está de momento encerrado, devido à pandemia. A falta de meios que permitam o seu funcionamento, nas condições requeridas pela Direção Geral de Saúde, assim o obrigam. Nesta caminhada feita pelo Vozes de Gaia, as portas foram, contudo, abertas para se testemunhar o estado frágil das instalações, com capacidade para duas dúzias de peregrinos. Camaratas, balneários, cozinha, sala de estar e duas esplanadas – uma na frente e outra nas traseiras – permitem um bom descanso.

O albergue abriu pela primeira vez a 25 de Julho de 2014, com as obras de restauro a cargo de voluntários da Confraria de Santiago de Grijó. A família do jogador de futebol André Gomes doou as instalações ao centro social da paróquia e, ao longo dos anos, houve várias adaptações. O edifício precisa de obras de manutenção e de melhoramentos, impossíveis de concretizar sem ajuda externa: autarquia, Igreja Católica e sociedade civil.