Odette Boudet está radicada em Vila Nova de Gaia há cerca de três anos e diz estar em casa

Odette Boudet é artista plástica, nascida no Rio de Janeiro (Brasil), que há três anos vive em Vila Nova de Gaia. Mestranda em pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, está a trabalhar na pesquisa sobre a memória, o movimento e a migração que se refletem nos seus trabalhos mais recentes de pintura.

Por Carlos Caldas (texto e fotos)

O Rio de Janeiro é um centro cultural importante no Brasil. O que motivou a imigração para Portugal e, especificamente, fixar residência em Vila Nova de Gaia?
Morei no Rio de Janeiro durante toda a minha vida, antes de vir para Portugal, há três anos. Sempre quis experimentar viver em outro lugar. Para um artista isto é muito importante, pois colocamos o nosso olhar em um outro ponto de vista, outra perspectiva. É por isso que se vê muitos editais para “residências artísticas” em outras cidades e países. A oportunidade foi criada quando meu marido foi aprovado para cursar o mestrado em educação na U.Porto. Escolhemos morar em Vila Nova de Gaia por ser uma cidade bem próxima do Porto, mas não tāo agitada. A beleza das praias e da orla do Douro nos fez sentir em casa.  

Qual o foco da pesquisa que está a desenvolver na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto?
Embora tenha uma formação em cinema, com foco em produção, desde 2010 utilizo a pintura como principal meio para me expressar. No início do mestrado eu queria entender como certos objetos do quotidiano podiam representar sentimentos e sensações humanas. Uma busca pelo sentido na imagem pintada. Esta pesquisa conceptual veio se modificando e hoje a investigação se dá em três dimensões: a construção da imagem, do movimento e da memória. Não conseguimos fugir muito de nossas raízes. A experiência que tive com o filme de super-8, o vídeo e o cinema, na licenciatura, influenciaram a preocupação que tenho em compreender esta ligação entre a pintura e o cinema.

Como se dá o seu processo criativo?
Trabalho com cenários e fotografias projectadas. A inspiração vem de imagens da memória afectiva de objetos, lembranças e lugares. Além disso, estou sempre buscando experimentar novos materiais e novas formas de pintar.

Suas obras mais recentes trazem a mala como foco. É uma conversa propositada com o tema da migração?
É quase impossível um artista não trazer para o trabalho parte de sua vida pessoal. A pintura acaba sendo um retrato da atmosfera que incorporamos nesta relação com as coisas do mundo. Certamente que a mudança de cidade, de país, de continente e todos os aspectos envolvidos neste movimento migratório estão presentes nas imagens que escolho como referência. As malas são objetos com uma carga simbólica muito forte, que abrem espaço para reflexão sobre questões importantes para muita gente, como por exemplo a memória afectiva, o desapego e o deslocamento.

Foto: DR

“a mudança de cidade, de país, de continente e todos os aspectos envolvidos neste movimento migratório estão presentes nas imagens que escolho como referência.”

Como organiza as suas exposições?
Em 2019, participei de diversas exposições colectivas em cidades do Norte como Porto, Paredes, São João da Pesqueira, Cinfães e Peso da Régua, tendo sido todas com a presença de público nos espaços. Actualmente, além do trabalho no atelier e dos estudos para o mestrado, dedico grande parte do meu tempo a compreender o funcionamento das redes sociais e das novas formas de apresentar o meu trabalho na Internet. Não tem sido simples conciliar datas e locais adequados para exposições presenciais com os altos e baixos da pandemia. Não é fácil abdicar do contacto visual entre a obra, o artista e o observador. Além da divulgação das exposições presenciais na Internet, desde 2020 que participo de mostras virtuais onde apresento pinturas individuais e trabalhos estruturados em séries. Com isso consigo viajar virtualmente para outras cidades e países, como o fiz este ano, através dos projetos Mostra a Tua Arte [Belém, Brasil], Inércia, na colectiva EIXO 2021, [Niterói, Brasil] e O Carnaval Acabou, da série É no interior que elas vivem, apresentado no Museo MundoArti [Valência, Espanha]. Esta nova forma de expor acaba sendo importante, pois conseguimos dar uma visibilidade muito maior ao nosso trabalho e explorar novas formas de se relacionar com o olhar do outro. Nos planos futuros realizar exposições em Gaia. Quem sabe a Bienal de 2023?