Chegaram a ser cerca de duas dezenas. Depois, veio o declínio. Ficaram várias ruínas, mas só dos edifícios. Ainda restam muitos vestígios da força que a indústria da cerâmica em Vila Nova de Gaia conheceu no século passado. E uma resistente.

O painel Ribeira Negra, do pintor Júlio Resende, é talvez um dos trabalhos mais icónicos saídos dos fornos da Cerâmica do Fojo, em Vila Nova de Gaia. Já lá vão 35 anos desde que os 40 painéis em azulejos foram concebidos como forma de homenagear a vida das gentes da Ribeira do Porto. Realizados em cerca de dez dias, tiveram como primeiro destino a Cooperativa Árvore e mais tarde o Mercado Ferreira Borges – ambos na cidade Invicta. A inauguração do trabalho foi a 21 de Junho de 1987.

Este é um exemplo entre muitos do fulgor que a indústria da cerâmica teve em Vila Nova de Gaia. Em meados do século passado, chegaram a ser cerca de duas dezenas de unidades a trabalhar. Porém, antes dessa “explosão”, a cerâmica mais não era do que um trabalho sazonal, feito no Verão pelos trabalhadores agrícolas gaienses, já que a telha e as louças preta e vermelha secam melhor com sol forte.

Com a industrialização da indústria da cerâmica a dar os primeiros passos fulgurantes em meados do século passado, a antiga Cerâmica do Fojo é apenas um exemplo, entre muitos outros, de fábricas que cresceram e se notabilizaram, para depois caírem em desgraça. Em grande parte dos casos, tudo o que resta são ruínas ou meros vestígios daquilo que foi a sua actividade.

Situada no Canidelo, a Cerâmica do Fojo foi fundada por José Maria Rodrigues Ascensão em 1896: fabricava telha, tijolo, grés, faiança decorativa. Em 1929, acrescentou materiais de construção à lista de produtos fabricados. As portas fecharam já nos finais do século passado.

Também a Fábrica do Carvalhinho (fundada a 13 de Novembro de 1841) desempenhou um papel relevante no mundo da cerâmica. Instalada na Capela do Senhor do Carvalhinho (daí o nome da empresa), tinha os fornos e as oficinas em alguns barracões anexos à fábrica.

Erguida entre a Calçada da Corticeira e o Passeio das Fontaínhas, foi transferida para terras de Gaia em 1923. A Quinta do Arco do Prado oferecia, então, mais espaço e uma localização privilegiada: estava a poucos metros da Estação das Devesas, tendo sido mesmo criado um cais ferroviário exclusivo.

Instalações de luxo e troféus no basquetebol

A Fábrica do Carvalhinho foi, aliás, um dos grandes expoentes da pujança da indústria cerâmica em Vila Nova de Gaia. Prova disso foram as instalações construídas na década de 1950: em dimensão, projeção industrial, mestria e modernidade de produção. Nisso se reflectiu o aumento do volume de vendas para os mercados português, de França, Reino Unido, Angola e Moçambique.

Os azulejos da Carvalhinho ganharam fama, entre as décadas de 1930 e de 1960, em inúmeros edifícios públicos e privados, em pavimentos e paredes um pouco por todo o Norte do país. Para este crescimento muito contribuíram os trabalhos de artistas como Paulino Gonçalves, Francisco Macedo (painéis da Câmara de Espinho, do Colégio de Nossa Senhora da Bonança, da Igreja de Vilar do Paraíso e da Capela de S. João Baptista, em Vilar do Paraíso), ou Fernando Gonçalves (painéis do escadório do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego).

O crescimento desta unidade traduziu-se, também, na melhoria da qualidade das instalações para os trabalhadores. Desde iluminação apropriada, aquecimento geral, uso de máscaras para purificação do ar nos sítios mais sujeitos à silicose, à criação de uma cantina, posto médico (onde se destacou o Dr. Roland Van Zeller), chuveiros e lavatórios.

Tudo o que resta da antiga glória da Fábrica do Carvalhinho é esta chaminé.

No campo desportivo, foram edificadas instalações para a prática de futebol, atletismo, basquetebol, voleibol, natação e um pavilhão. A equipa de basquetebol feminino foi uma das primeiras da região e com grande palmarés. Na cultura, um grupo coral e teatral encenava e levava a palco diversas peças.

As portas fecharam em 1977, forçadas pela conjuntura económica e a que não foi alheia a crescente utilização do plástico para os mais diversos fins. As instalações foram demolidas, restando apenas a sua grandiosa chaminé.

Exemplos de fábricas de cerâmica possantes em Vila Nova de Gaia houve vários e com dimensões variadas. Foram, em certo sentido, o coração da actividade industrial do concelho. De oleiros artesanais, passando pelas peças de cariz meramente utilitário, até às obras de arte espalhadas pelas mais diversas latitudes, este ofício deixou marcas profundas no território e um legado artístico invejável, reflexo da sua época de ouro.

Este é um dos muitos painéis de azulejos produzidos pela Fábrica do Carvalhinho e que foram a glória daquela unidade fabril e também da indústria dos vinhos.

Em Valadares mora a ambição

Há um bom exemplo de renascimento e de superação na indústria da cerâmica de Vila Nova de Gaia. A Cerâmica de Valadares, que este ano festeja o seu centenário, é um marco histórico do concelho. Foi fundada em 1921 por um grupo de seis homens, dedicando-se à produção de barro vermelho, tijolos, telhas, fornos de cozer pão, garfos, sifões, azulejos e louça sanitária.

Na década seguinte inicia a produção de faiança, destacando-se pelas peças decorativas portuguesas. Em 1949, no auge do sucesso, expande as instalações. Três décadas depois, consegue o reconhecimento nacional e internacional pela qualidade da sua produção.

A Cerâmica de Valadares resistiu a falências e pandemias. Chegou a fechar, entre 2012 e 2014, mas renasceu. Para isso, os 130 trabalhadores e o director dos novos proprietários, a ARCH, uniram forças e retomaram a actividade. Em 2020, teve uma facturação de 5,8 milhões de euros; aponta para os sete milhões de euros no final deste ano. Exporta para mais de 40 países e projecta recuperar e rentabilizar as instalações perdidas pela antiga empresa, bem como erguer um parque industrial e o Museu de Valadares.

Amadeu Iglésias e Suzana Castro (texto e fotos)