Portugal atravessa um período de seca grave ou severa, apesar dos sinais positivos das últimas semanas. A solução para o aproveitamento racional das águas passa pela prevenção: racionar consumo e vigiar a sua qualidade. Em Gaia, esta monitorização já atingiu a idade adulta.

ALCINO AZEVEDO

Seca grave, severa e extrema. Estava assim classificado o território de Portugal Continental pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, em Fevereiro último. No final desse mês, “mais de 60% do território estava em seca extrema”, com 11 dos 18 distritos continentais em situação considerada preocupante. Já em Março, após alguma chuva, parte da região litoral Norte e Centro já se encontrava em seca moderada e choveu mais 80% do que na primeira quinzena de Fevereiro. O mês de Março é, por agora, o mais seco desde o início deste século.

Há 10 anos, em Abril de 2012, o jornal PÚBLICO dava conta de números semelhantes aos actuais: no fim de Março, 57% do território continental estava em seca extrema. Garantia dada pela comissão de acompanhamento e avaliação dos impactos da seca de 2012. A reportagem lembrava as secas anteriores: 1981, 1992, 1995, 1999, 2004, 2005…

Desde o início do século XXI que Portugal tem vivido vários períodos com escassez de água. O sul do país é, tradicionalmente, o mais fustigado em tempos de seca. Exemplo: Mourão, distrito de Évora, que já passou por 54 situações se seca severa ou extrema. Já o concelho de Vila Nova de Gaia, mesmo estando “em cima” de muitas centenas de quilómetros de cursos de água, à superfície e subterrâneos, passou por 28 vezes pelas mesmas dificuldades desde 2000.

Os números falam por si: 70% da superfície terrestre está coberta por água, apenas três por cento tem água doce – um por cento em estado líquido nos rios, lagos e debaixo do solo. De toda a água existente na Terra, só uma ínfima parte sustenta a vida da Humanidade.

31 milhões de pessoas sem saneamento

A racionalidade nos consumos e a garantia da qualidade da água constituem, assim, duas das preocupações maiores de governantes e de cidadãos para o futuro de médio prazo. Segundo a UNICEF, no documento “Joint Monitoring Programme for Water Supply, Sanitation and Hygiene”, há mais de 31 milhões de pessoas na Europa sem acesso a saneamento básico, 48 milhões sem água canalizada em casa e mais de 300 mil pessoas sem sanitários – incluindo Portugal.

O simples entupimento de um dos muitos colectores espalhados pelas linhas de água pode conduzir a um longo processo

de recuperação

Por isso, o controlo da qualidade da água é um ponto decisivo. No caso de Vila Nova de Gaia, teremos de recuar até ao início deste século. O então presidente do Conselho de Administração da Águas de Gaia, Empresa Municipal, Poças Martins, foi o rosto do trabalho feito pela autarquia à conquista das Bandeiras Azuis, nas praias de Gaia. Primeiro, foram mapeadas todas as linhas de água do concelho, anotados pontos de descargas poluentes (habitações, na sua maioria) e posteriormente ligados à rede de saneamento. Em vários casos, a ligação feita pela autarquia deu resultados visíveis ao fim de poucos dias…

E como é que esses trabalhos foram feitos? Fernando Ferreira e Cristina Chaves, da Águas de Gaia, Empresa Municipal, explicaram ao Vozes de Gaia que foi necessário proceder à demolição de várias construções ilegais, instalar sanitários e chuveiros em todas as praias e construir apoios nas zonas balneares e passadiços de acesso (protecção das dunas).

Além disso, “as zonas balneares de Canide Norte, Valadares Sul, Senhor da Pedra, Miramar e Aguda foram ainda dotadas com um conjunto de equipamentos e serviços adaptados a pessoas com mobilidade reduzida, o que permitiu serem galardoadas com a bandeira identificadora de ‘Praia Acessível – Praia para Todos’”.

O trabalho dos cuidadores das zonas marítimas e fluvais continua. É necessário fazer a recolha selectiva de lixo e limpeza dos areais, monitorizar a qualidade das areias (em colaboração com o Instituto Dr. Ricardo Jorge), além de manter operacionais os percursos pedonais em toda a extensão da orla marítima, incluindo ciclovias.

Há, ainda, a destacar projectos educativos como a Rota da Água, um museu ao ar livre, com percursos ligados à temática; a criação do Criação do Geosítio de Lavadores, que promove a riqueza geológica localizada entre Cabedelo e Lavadores; o projecto em desenvolvimento Encostas do Douro – Reabilitação, de reabilitação da frente ribeirinha do Douro com cerca de 18 quilómetros; e o Parque de S. Paio (Afurada), com oito hectares.

Porto-Lisboa em linhas de água

Com 300 quilómetros de linhas de água (a distância aproximada entre Porto e Lisboa) e 11 ribeiras a desaguar directamente no oceano Atlântico, a monitorização da qualidade das águas em Gaia nem sempre é fácil. Só a conjugação de esforços entre a autarquia, através da Águas de Gaia, a Agência Portuguesa do Ambiente e o Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente da Guarda Nacional Republicana é que os resultados têm sido assinaláveis.

Tomando o exemplo de casas particulares, o trajecto das águas residuais começa à saída da habitação, na rede de saneamento, sendo direccionadas para centrais elevatórias e, de seguida, para a estação de tratamento. Depois de tratadas, estas águas serão aproveitadas para diversas utilizações, como rega de espaços verdes, lavagem de ruas, agricultura…

Há 31 milhões de pessoas na europa sem saneamento básico,

48 milhões sem água canalizada

e mais de 300 mil sem sanitários

O trabalho de despoluição é longo e exige perseverança. Isto porque, durante muitos anos, o saneamento de muitas habitações constava de uma trincheira filtrante (uma fossa com carvão, outra com gravilha). Só que o tempo de vida desta “solução” é curto e, ao fim de dois anos, deixa de fazer efeito.

E nem mesmo o actual sistema de tratamento é infalível. Por vezes, o simples entupimento de um dos muitos colectores espalhados pelas linhas de água pode conduzir a longo processo de recuperação. As consequências podem ser bastante nefastas para todos, desde as autoridades responsáveis pela conservação das linhas de água, até aos utentes das praias de Vila Nova de Gaia. É que uma fonte de poluição detectada pelo Programa Bandeira Azul pode significar a perda deste importante vertificado de qualidade das praias. E recuperá-lo é uma missão difícil e nem sempre acontece de um ano para o seguinte.