Menos publicidade e leitores, maior dependência do Estado: a sobrevivência da Imprensa local

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Três dos jornais de Vila Nova de Gaia em actividade têm sobrevivido graças aos apoios autárquicos. A pandemia de Covid-19 agravou os sinais de fragilidade da Comunicação Social de maior proximidade com os cidadãos. Em alguns casos, as perdas publicitárias chegaram aos 80%. O Vozes de Gaia foi saber o que pensam os responsáveis pelas publicações.

Fernanda Maia

Falta de investimento publicitário, dependência quase exclusiva dos apoios do Estado, cada vez menos leitores, cada vez menos jornais vendidos. Tem sido uma luta tenaz pela sobrevivência aquela que a imprensa local e regional trava há décadas, em Portugal.

A pandemia de Covid-19 acentuou algumas fragilidades nos meios de Comunicação Social em Portugal, em particular dos locais. De acordo com o estudo “Implicações da Crise de Covid-19 nas Condições Económicas do Setor de Media em Portugal, 2020/1.º Trimestre 2021”, da responsabilidade da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, “esta crise foi especialmente profunda para os media locais e regionais”.

“Para 27% dos detentores de imprensa local e regional e 44% dos operadores de rádio local comunicaram perdas de receitas entre 61 e 80%”, acrescenta o documento. A publicidade foi a categoria de receitas mais afectada e referida pela quase totalidade dos inquiridos deste estudo.

Em Vila Nova de Gaia, o quadro é idêntico: num município com mais de 300 mil habitantes – o terceiro, atrás de Lisboa e de Sintra –, as esperanças de crescimento do jornalismo concelhio local são reduzidas. O mercado publicitário está encolhido e investe mais depressa nos meios áudiovisuais. Durante a pandemia, a Internet e as televisões foram os meios preferenciais de os portugueses se informarem, acrescenta o estudo.

O Vozes de Gaia ouviu representantes dos três jornais mais emblemáticos do concelho: Terras de Gaia, Gaia Semanário e O Gaiense.

Perguntas & Respostas
1 – Como vê a situação da imprensa local em Vila Nova de Gaia?
2 – Como vê a imprensa local e regional a nível nacional?
3 – Que perspectivas para os próximos cinco anos?

TERRAS DE GAIA – REDACÇÃO GAIA – REDACÇÃO

1. A imprensa local de Vila Nova de Gaia vive dificuldades. Depois de uma pandemia tornou-se mais difícil de sobreviver. Uma crise económica vai abalar muitas microempresas. A imprensa local só sobrevive com os incentivos do Estado à Comunicação Social e com a publicidade institucional. Essas ajudas são escassas e a imprensa local obriga-se a procurar outras estratégias para continuar a trabalhar.

2. A imprensa local e regional desempenha um importante papel no sistema mediático português, enfrentando enormes problemas, entre os quais o escasso investimento publicitário e outras fontes de receitas (sobretudo em áreas geográficas económica e empresarialmente pouco estáveis), o reduzido índice de leitura nas zonas do interior, a diminuição do número de assinantes, as dificuldades na distribuição dos jornais impressos e, consequentemente, o seu impacto diminuto na vida política, económica, social e cultural a nível nacional, ao contrário do que sucede nas respectivas zonas de circulação, onde o seu impacto é significativo.

3. Nos próximos cinco anos, a imprensa local e regional enfrentará grandes desafios económicos e o problema das fake news [notícias falsas]. A corrida para ter uma notícia primeiro do que a concorrência terá impactos negativos na literacia mediática. Na sociedade portuguesa (e não só), há uma grande falta de literacia mediática e isso é muito preocupante. Vejamos: temos mais informação e cada vez mais rápida, mas será que nos chega com toda a veracidade? A comunidade tem a capacidade e o discernimento para diferenciar o que é verdadeiro ou falso? Sabemos que não. Este será um dos desafios da Comunicação Social: tentar combater estas empresas que trabalham para transmitir notícias falsas ou mediáticas.


O GAIENSE

1. Em Vila Nova de Gaia, a imprensa local tem um papel activo na divulgação das notícias do concelho, uma vez que somos o meio mais próximo da população e, como tal, divulgamos as coletividades, IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] e tudo o que se desenvolve no concelho com mais pormenor. Quem quer estar informado sobre o dia-a-dia de Gaia procura informação na imprensa local, na qual O Gaiense é lider de vendas e também na divulgação online.

2. A nível nacional, a imprensa local e regional vai ganhando cada vez mais destaque, precisamente pelo que disse na pergunta anterior. As pessoas, quando querem saber o que se passa numa localidade em específico, procuram a imprensa local para estarem informadas, uma vez que não encontram essa informação nos meios nacionais, que recorrem também muitas vezes à imprensa local para obter informação sobre assuntos específicos.

3. As mesmas de sempre. Continuar a informar e a afirmar o papel da imprensa local, sendo que, no caso em particular de O Gaiense, iremos continuar o que sempre fizemos ao longo de mais de 1 000 edições: estar junto dos gaienses com informação semanal e também ativamente com a realização de vários eventos junto da comunidade.

Anabela Carvalho,
assistente da direcção


GAIA SEMANÁRIO

1. A imprensa local em Gaia faz o que pode, em função dos tempos. Se existe, ainda, imprensa local em Gaia deve-se, em grande parte, ao apoio da autarquia, através de acordos de colaboração fixos e de apoio às diversas iniciativas dos órgãos de Comunicação [Social]. Mas, Gaia tem 300 mil pessoas, mais de 500 instituições e uma área superior a 170 km2. O presidente da câmara é, também, líder da Área Metropolitana do Porto, algo que o coloca nos jornais nacionais diários. A imprensa local, que tem uma periodicidade semanal, tenha que procurar outras notícias, de âmbito verdadeiramente mais local, mas que, por sua vez, não são de massas. Assim, a imprensa local necessita de muito mais matérias para poder interessar a toda a população, conquistando o seu espaço pela diversidade e pela pluralidade de temas e de conteúdos.

O problema é que cada jornalista tem um custo. O problema é o combustível para percorrer os 170 km2 de área [do concelho]. O problema é que os grandes exclusivos do concelho são dados aos jornais nacionais. Depois, temos as edições online, em que a rapidez é uma arma e os jornais locais não têm as armas dos nacionais, em termos técnicos e humanos. Restam duas soluções. A colocação e partilha de todo o tipo de conteúdos, sem qualquer critério editorial ou de qualidade; colocar o rigor e a qualidade em primeiro lugar, que tem outros custos e que obriga a retorno. Apesar de ser defensor da segunda, a primeira será a opção mais inteligente. Não tem custos e rende likes a metro.

No Gaia Semanário temos o objetivo de nos diferenciarmos pela qualidade – tanto em papel, como nos canais digitais, criarmos conteúdos diferenciadores e que acrescentem.

[Queremos] fugir à tentação do populismo e do like furtuito e efémero e apostar em utilizar a nossa publicação para escrever e registar a história do concelho, das suas coletividades e instituições e das suas gentes.

2. Infelizmente, muito dependente dos poderes locais, algo que lhes retira liberdade. E sem os apoios ou as facilidades que são dadas aos grandes grupos de comunicação nacional, para que possam evoluir ou investir com vista ao futuro. É David contra Golias, num país onde a política é o centro de tudo. Para os políticos nacionais, a imprensa regional só interessa quando a imprensa de âmbito nacional diz que não tem interesse e não aparece.

3. Se ninguém fizer nada, será muito difícil aos órgãos de comunicação regional sobreviverem. Em praticamente todos os concelhos temos um jornal local com forte ligação ao poder, que reina. E, depois, temos os outros que, se forem sendo simpáticos e não complicarem, vão tendo direito a alguma coisa. Os custos fixos e operacionais são cada vez mais elevados. A digitalização obriga a investimentos avultados. Os assinantes pagam valores (nem adianta tentar aumentar) que quase não cobrem os custos com os CTT. A imprensa regional é de importância vital para a imortalização da nossa história. Mas a imprensa local apenas conseguirá manter esse trabalho se for devidamente apoiada. E aqui defendo um apoio por objetivos, em que o critério não seja a quantidade de “graxa” dada a A, B ou C, mas a qualidade e diversidade do trabalho que realiza.

Zé Pedro Marques, Director