“É um sonho da gente ter uma casa, senhor!”

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As 35 famílias de etnia cigana vivem em condições de insalubridade | Francisco Silva

Processo de realojamento de 35 famílias de etnia cigana, em Grijó, ainda à espera de novo concurso público, que deverá ser lançado em Abril, garante a Câmara de Gaia

Por Caria de Oliveira e Francisco Silva

“Maria” vive há 25 anos no mesmo local. Uma barraca feita de madeiras velhas, chapas a fazer de paredes, plásticos à volta, presos por cordas e fios eléctricos para dar alguma segurança àquelas “quatro paredes”. A sogra, diz, “vive há mais tempo”. E o marido, “que tem 44 anos, já nasceu aqui”. É em condições de insalubridade e indignidade que vivem 35 famílias de etnia cigana, junto à Autoestrada do Norte (A1), em Grijó, e que agora aguardam pelo desfecho de um novo concurso público para saberem quando deixarão as barracas rumo a uma casa. O destino é a antiga Fábrica de Madeiras da Feiteira, cujo projecto de reabilitação parcial aguarda novo concurso público para avançar.

“Maria” (nome fictício) é uma das 147 pessoas à espera de casa. “Para nós, é um sonho realizado, pois ninguém imagina o que é viver numa barraca destas. Uma pessoa fica doente e isso é muito difícil”, lamenta. Uma situação que os responsáveis autárquicos esperam poder ser resolvida o mais depressa possível, como contou ao Vozes de Gaia o presidente da Junta de Freguesia de Grijó. “O objectivo da autarquia é lançar, em Abril, um novo concurso público.”

Ramos Rodrigues, presidente da Junta de Grijó | Francisco Silva

A obra esteve para ser lançada em 2020 (com um custo de dois milhões de euros) e depois, em 2021 (3,6 milhões de euros). Porém, nunca avançou. A Câmara de Gaia comparticiparia com 20% dos custos totais da obra, financiada ao abrigo do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano.

As propostas apresentadas a concurso foram todas excluídas, “por terem apresentado um preço contratual superior ao preço base estabelecido para os concursos, bem como a ausência de documentos obrigatórios”, explicou Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da autarquia.

Sem data de conclusão prevista, parte da antiga Fábrica de Madeiras da Feiteira vai, assim, acolher os 68 adultos e 79 crianças (já nascidas em Grijó) de três acampamentos.

“Maria” não podia estar mais feliz: “Aqui, fazemos o melhor possível, mas, mesmo assim, passamos frio e chove dentro das barracas. Não se compara a barraca de chapa onde vivemos a uma casa, não tem nada a ver.” O facto de morarem praticamente na berma da estrada já levou ao atropelamento de várias crianças. “Estou comendo e sempre olhando para fora a ver se a porta está fechada.”

E os vizinhos?

“António” vive há 21 anos paredes-meias com esta comunidade. Conhece as dificuldades por que passam e considera o projecto de realojamento como “uma boa oportunidade, uma boa solução, não apenas para tirar estas pessoas das más condições em que vivem, como para acabar com as barracas”. Mais: o realojamento ajudará a procura de trabalho no mercado. “Seria uma boa forma de terem sucesso, pois, de uma forma geral, ninguém lhes dá trabalho. Eles merecem esta oportunidade”.

“Maria” concorda. “Viver numa casa, seria [viver] como as outras pessoas. Aqui, não vamos para a frente, não temos condições, não temos casa de banho e, quando precisamos, temos de nos levantar da cama e ir lá fora. Quando as crianças tomam banho, é numa bacia; se queremos água quente, temos de a aquecer e isso para nós é muito difícil.”

Quanto ao futuro, não teme o que aí vem, garantindo que todos têm a noção de que vão ter de cumprir diversas obrigações: o pagamento da água, da luz e da renda. “Mas é muito melhor assim.”

A família Amorim

O projecto residencial só irá avançar graças à colaboração da família Amorim, que olhou para esta questão com “uma lógica de bem público”, como classificou Eduardo Vítor Rodrigues (Agosto, 2021), e doou os terrenos especificamente para esta finalidade.

O levantamento das famílias ali existentes à data de 2015 foi feito pela Junta de Freguesia de Grijó, onde há quatro aglomerados de barracas similares. O realojamento irá beneficiar as famílias dos lugares (acampamentos) de Pinhal, Presa Nova e Casas Queimadas.

Joaquim César Ramos Rodrigues, líder da Junta, acredita que a sociedade tem o dever de “fazer tudo para integrar [os elementos da comunidade cigana]”. O primeiro passo é encontrar uma “casa com dignidade (ninguém lhes aluga uma casa) e que os seus filhos tenham uma educação como todos os outros. As crianças têm de ir para a escola”.

Realojamento acompanhado

O projecto inclui a construção de salas de apoio (para técnicos da Câmara e das IPSS) à sua inclusão e orientação, pensado para estas comunidades, com equipamentos dedicados à formação ou ao desenvolvimento de projetos sociais.

Esta, acrescenta, é “uma boa possibilidade de dar a volta ao estigma da etnia cigana”. Isto porque, defende, “o sucesso do projecto passa pela integração dos jovens no mercado de trabalho, pelo acompanhamento bem de perto das novas gerações, as crianças que começam nos infantários e nos primeiros anos das escolas. Estas crianças merecem este compromisso, precisam crescer com condições de dignidade”.